domingo, 28 de agosto de 2011

DESAVERGONHADA BANDALHEIRA


Que a classe política brasileira, em sua quase totalidade, perdeu qualquer vestígio de vergonha na cara, disso ninguém tem mais dúvidas. A desonra e a canalhice são carapuças confortáveis para uma politicagem que conseguiu transformar os Três Poderes no lupanar da República. E os cidadãos, tolos de plantão, seguem financiando a vara de engravatados, uma manada ladrões de colarinho branco vivendo às custas de regalias e benesses patrocinadas por uma das maiores cargas tributárias do planeta. Só neste ano, até agora, os impostos pagos alcançam a inacreditável cifra de R$ 1 trilhão. Estima-se que 40% desse valor, ou seja, R$ 400 bilhões, são drenados anualmente pela endêmica e enraizada corrupção.


Vejamos o triste exemplo do excelentíssimo senhor presidente do Senado Federal, José Sarney. Não satisfeito com a sucessão de escândalos envolvendo os apaniguados políticos de seu partido, o PMDB, no governo federal e com a lambança criminosa na utilização de recursos públicos no estado que o elegeu, o Amapá, o imortal ex-presidente da República foi flagrado pelo jornal Folha de S. Paulo utilizando um helicóptero da Polícia Militar do Maranhão para uma viagem particular, junto com um megaempresário da região, até sua residência, na Ilha de Curupu. Cumpre ressaltar que essa aeronave foi comprada por R$ 16,5 milhões, para combater o crime e socorrer emergências, com recursos do Ministério da Justiça e do governo maranhense, não por acaso administrado pela filha do senador, Roseana Sarney.


De acordo a denúncia do jornal paulista (que conta com inequívoco registro de imagens), apenas neste ano, José Sarney utilizou a aeronave pública duas vezes para esses passeios. Ainda segundo a Folha, numa das ocasiões, o desembarque das bagagens do senador e de seus ilustres convidados teria atrasado o atendimento de um cidadão com traumatismo craniano, vítima de um grave acidente. Mas quem se preocupa com isso, não é mesmo?! Num país onde reina a impunidade e onde coronéis e senhores feudais ainda ditam as regras do jogo, qualquer um que levante a voz contra tal disparate, corre o risco de terminar como a juíza fluminense, violentamente silenciada com 21 tiros no lombo.


Em sua defesa, Sarney se valeu da Constituição, que segundo ele lhe assegura o direito a transporte de representação e segurança em todo território nacional e sem restrições de viagens. Um pouco mais profundo no afago ao conterrâneo, o deputado estadual Magno Bacelar, do PV maranhense e vice-líder do governo Roseana, fez questão de informar que José Sarney “não é uma pessoa qualquer” e refletiu: “Queria que o presidente Sarney fosse andar em jumento? Queria o quê? Enfrentar um engarrafamento?” E fez questão de concluir: “Esse helicóptero, é claro, tem que servir os doentes, mas tem que servir as autoridades, esta é a realidade!” Quem quiser que conte outra, porque para o anacrônico deputado, a denúncia da Folha de S. Paulo nada mais é que um golpismo dos “jornais sulistas”.


Percorrendo o mapa e observado outras capitanias hereditárias, a situação não é diferente. Tem governador passeando de helicóptero com empreiteiro responsável por obras estaduais superiores a R$ 1 bilhão, muitas das quais sem licitação. Tem governador fretando jatinho para fazer compras nos EUA com a família, incluindo um deputado federal e ex-ministro. Tem parlamentares usando ONGs para desviar recursos de emendas ao orçamento da União. Tem dinheiro do povo bancando orgias de ministros de Estado em motéis, bordéis e mansões. Tem mensalão, dinheiro em malas, roubos, desvios e até dólares escondidos nas cuecas. Tudo isso ao tilintar de sonora alcunha: Vossas Excelências.


Na República Federativa do Brasil, a coisa pública é coisa de ninguém. Ou melhor, é escamoteada e imoralmente uma coisa transviada para o benefício de alguns poucos bandidos legítimos. Parece não existir justiça, seja ela ciência, norma, dos homens ou de Deus, capaz de conter o ímpeto da camarilha que nos rouba todos os dias. Quiçá vassoura de presidenta faxineira, mais próxima aos esconderijos de tapetes que da necessária e profilática limpeza no cenário político. Quem tem culhão para questionar um ato ímprobo de um literato acadêmico da envergadura do senador José Sarney? Ninguém! De eterno país varonil do futuro, deixamo-nos tornar um Brasil de desavergonhada bandalheira.

Helder Caldeira


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