domingo, 14 de junho de 2009

A Eleição dos Bichos

Durval Muniz de Castro

Era uma vez um bonito país, de verdes matas, águas límpidas e céu azul, onde não viviam ainda os homens, só os bichos, e que era governado por uma onça feroz. Os animais não gostavam da onça, pois ela tinha uma fome insaciável e estava sempre a caçá-los e devorá-los. Apesar disso, como ela era a mais forte e eles tinham medo, suportavam-na.

Aconteceu então que a região foi atingida por uma seca prolongada, causando a morte de muitos animais por sede e fome, levando muitos a partirem em busca de climas mais amenos. Como a caça tornou-se rara, a onça resolveu mudar-se também, anunciou sua intenção de abandonar o governo e resolveu que dali em diante os governantes seriam escolhidos por eleições diretas.

Apareceram dois candidatos. A raposa era apoiada pelos animais carnívoros: lobos, jaguatiricas, cães e cobras. O outro candidato era o coelho, apoiado pelos herbívoros: vacas, burros, preás e esquilos.

Em sua campanha o coelho argumentava que um bom governante só poderia ser um herbívoro, naturalmente pacífico e cordato. Chega de carnívoros, cuja natureza é agressiva e belicosa, e cuja fome só pode ser saciada com a morte de outros animais. Já bastavam as dificuldades s sofrimentos do tempo da velha onça. O plano de governo do coelho previa a conversão gradativa de todos os animais a uma dieta de legumes, folhas e frutas. Os que não se acostumassem, que fossem para outro país.

A raposa, muito matreira, caçoava do coelho, chamando-o de ingênuo e radical. Dizia que havia adotado uma alimentação vegetariana e distribuía fotos que a mostravam comendo cenouras e repolhos com visível deleite.

A raposa criticava a onça e dizia-se sua inimiga. Durante a campanha não andava com os outros carnívoros e alegava não aceitar seu apoio. Argumentava que o fato de ter nascido carnívoro dava-lhe condições de se entender de igual para igual com os ferozes predadores e convencê-los a abandonarem seus hábitos agressivos. Seu plano de governo previa a exportação de frutas e legumes, o que permitiria a importação de carne de soja, produzida no país do norte, com a qual os carnívoros poderiam satisfazer sua fome, deixando em paz os mansos herbívoros.

As corujas fizeram uma pesquisa eleitoral e descobriram que ainda havia um grande grupo de indecisos, dos quais dependeria o resultado da eleição. Eram as galinhas, que atualmente só comiam ração, mas que tinham muita saudade dos tempos em que degustavam suculentas minhocas. Elas tinham medo que o coelho, em seu radicalismo de herbívoro, proibisse o consumo de seu prato favorito. Algumas galinhas mais velhas andaram falando de trágicas incursões noturnas da raposa nos galinheiros, mas a própria raposa negou esses boatos com tanta convicção que todos acabaram acreditando nela.

A raposa acabou ganhando a eleição por boa margem de votos e o dia da vitória foi comemorado com um grande banquete... no galinheiro!

Depois das eleições a situação dos bichos ficou ainda pior que nos tempos da onça, pois o jejum da época da campanha deixara a raposa e seus amigos com uma fome insaciável. Os bichos colocavam todas as suas esperanças nas próximas eleições que seriam dali a cinco anos.

Já se fala num candidato muito forte para suceder a raposa, a hiena, dona do famoso Circo Feliz, no qual os espectadores, além de verem o espetáculo, concorriam a prêmios sorteados. A hiena diz ter recebido instruções de uma força superior, incumbindo-a de cuidar do bem estar dos bichos, especialmente daqueles perseguidos pelos predadores. A maioria dos bichos esqueceu completamente que a hiena é um carnívoro e entre eles circula até um boato de que ela faz milagres! .

Que Deus os tenha em sua guarda!

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